Leiam por favor! É longo mas
muito educativo. De um Homem e de um Político com 93 anos! Que lição!
Discurso de Helmut Schmidt no Congresso do SPD, 4 de Dezembro de 2011,
Berlim
Queridos Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores!
Deixai-me começar com uma nota pessoal.
Quando o Sigmar Gabriel, o Frank-Walter Steinmeier e o meu Partido me
pediram mais uma vez uma contribuição, gostei de recordar como há 65 anos eu e
a Locki, de joelhos no chão, pintávamos cartazes para o SPD em
Hamburgo-Neugraben.
Na verdade tenho de confessar desde já: no que diz respeito a toda a
política partidária, já estou para além do Bem e do Mal, por causa da minha
idade.
Há muito que para mim, em primeiro e em segundo lugar, se encontram as
tarefas e papel da nossa nação no indispensável âmbito União Europeia.
Simultaneamente estou satisfeito por poder partilhar esta tribuna como o
nosso vizinho norueguês Jens Stoltenberg, que no centro de uma profunda
infelicidade da sua nação, nos deu a nós e a todos os europeus um exemplo a
seguir de direcção liberal e democrática de um estado de direito.
Enquanto homem já muito velho, penso naturalmente em longos períodos
temporais – quer para trás na História, quer para a frente na direcção do
desejado e pretendido futuro.
Contudo, não pude dar há alguns dias uma resposta clara a uma pergunta
muito simples. Wolfgang Thierse perguntara-me: “Quando será a Alemanha,
finalmente, um país normal?”
E eu respondi: num futuro próximo a Alemanha não será um país “normal”. Já
que contra isso está a nossa carga histórica enorme mas única. E além disso
está contra isso a nossa posição central preponderante, demográfica e
economicamente, no centro do nosso continente bastante pequeno mas organizado
em múltiplos estados-nação.
Com isto já estou no centro do complexo tema do meu discurso: a Alemanha na
Europa, com a Europa e pela Europa.
Razões e origens da integração europeia
Apesar de em alguns poucos dos cerca de 40 Estados europeus a consciência
de ser um nação se ter desenvolvido tardiamente – assim em Itália, na Grécia e
na Alemanha – sempre houve em todo o lado guerras sangrentas.
Pode-se compreender esta história europeia – observada da Europa Central –
pura sequência de lutas entre a periferia e o centro e vice-versa. Sempre de
novo o centro se manteve o campo de batalha decisivo.
Quando os governantes, os estados ou os povos no centro da Europa foram
fracos, então os vizinhos da periferia avançaram para o centro.
A maior destruição e as relativamente elevadas baixas humanas aconteceram
na primeira guerra dos 30 anos entre 1618 e 1648, que se desenrolou
fundamentalmente em solo alemão.
A Alemanha era, nessa época, simplesmente um conceito geográfico, definido
de forma desfocada só pelo espaço da língua alemã.
Mais tarde vieram os franceses, sob Luís XIV e de novo sob Napoleão. Os
suecos não vieram uma segunda vez; mas sim diversas vezes, os ingleses e os
russos, a última vez com Stáline.
Mas quando as dinastias ou os Estados eram fortes no centro da Europa – ou
quando se sentiam fortes! – então atacaram a periferia.
Isto já é válido para as cruzadas, que foram simultaneamente cruzadas de
conquista não só na direcção da Ásia Menor e Jerusalém, mas também na direcção
da Prússia Oriental e na de todos os três estados bálticos actuais.
Na idade moderna, é válido para as guerras contra Napoleão e é válido para
as três guerras de Bismarck em 1864, 1866 e 1870/71.
O mesmo é válido principalmente para a segunda guerra dos 30 anos de 1914 a
1945. É especialmente válido para os avanços de Hitler até ao Cabo Norte, até
ao Cáucaso, até à ilha grega de Creta, até ao sul da França e até mesmo a
Tobruk, perto da fronteira líbio-egípcia.
A catástrofe europeia, provocada pela Alemanha, incluiu a catástrofe dos
judeus europeus e a catástrofe do estado nacional alemão.
Mas antes os polacos, as nações bálticas, os checos, os eslovacos, os
austríacos, os húngaros, os eslovenos, os croatas tinham partilhado o destino
dos alemães na medida em que todos eles, desde há séculos, tinham sofrido sob a
sua posição geopolítica central neste pequeno continente europeu.
Dito de outra forma: diversas vezes, nós, alemães, fizemos sofrer os outros
sob a nossa posição central de poder.
Hoje em dia, as reivindicações territoriais conflituais, os conflitos
linguísticos e fronteiriços, que ainda na primeira metade do século XX
desempenharam um papel importante na consciência das nações, tornaram-se, de
facto, insignificantes, pelo menos para nós alemães.
Enquanto na opinião pública e na opinião publicada nas nações europeias o
conhecimento e a lembrança das guerras da Idade Média se encontram amplamente
esquecidos, a lembrança de ambas as guerras do século XX e a ocupação alemã
desempenham todavia ainda um papel latente dominante.
Penso ser para nós alemães decisivo que quase todos os nossos vizinhos – e
para além disso quase todos os judeus no mundo inteiro – se recordem do
holocausto e das infâmias que aconteceram durante a ocupação alemã nos países
da periferia.
Não está suficientemente claro para nós alemães que provavelmente entre
quase todos os nossos vizinhos, ainda por muitas gerações, se mantém uma
desconfiança contra os alemães.
Também as gerações alemãs posteriores têm de viver com este peso histórico.
E as actuais não devem esquecer: foi a desconfiança com um futuro
desenvolvimento da Alemanha que justificou o início da integração europeia em
1950.
Em 1946, Churchill, no seu grande discurso em Zurique, tinha duas razões
para apelar aos franceses para se entenderem com os alemães e construírem com
ele os Estados Unidos da Europa: em primeiro lugar a defesa conjunta perante a
União Soviética, que parecia ameaçadora, mas em segundo a integração da
Alemanha numa aliança ocidental alargada.
Porque, perspicazmente, Churchill previa a recuperação económica da
Alemanha.
Quando em 1950, quatro anos depois do discurso de Churchill, Robert Schuman
e Jean Monnet apresentaram o plano Schuman para a integração da indústria
pesada europeia, a razão foi a mesma, a razão da integração alemã.
Charles de Gaulle, que dez anos mais tarde propôs a Konrad Adenauer a
reconciliação, agiu pelo mesmo motivo.
Tudo isto aconteceu na perspectiva realista de um possível desenvolvimento
futuro do poder alemão. Não foi o idealismo de Victor Hugo, que em 1849 apelou
à união da Europa, nem nenhum idealismo que esteve em 1950/52 no início da
integração europeia então limitada à Europa Ocidental.
Os estadistas dessa época na Europa e na América (nomeio George Marshall,
Eisenhower, também Kennedy, mas principalmente Churchill, Jean Monnet, Adenauer
e de Gaulle ou também Gasperi e Henri Spaak) não agiram de forma nenhuma por
idealismo europeu, mas sim a partir do conhecimento da história europeia até à
data.
Agiram no juízo realista da necessidade de impedir uma continuação da luta
entre a periferia e o centro alemão.
Quem ainda não entendeu este motivo original da integração europeia, de que
continua a ser um elemento fundamental, quem ainda não entendeu isto falta-lhe
a condição indispensável para solucionar a presente crise altamente precária da
Europa.
Quanto mais, durante os anos 60, 70 e 80, a então República Federal ganhava
em peso económico, militar e político, mais a integração europeia se tornava
aos olhos dos governantes europeus o seguro contra a de novo possível tentação
de poder alemã.
A resistência inicial de Margaret Tatcher ou de Mitterrand ou de Andreotti
em 1989/90 contra a unificação dos dois estados alemães do pós-guerra estava
claramente fundada na preocupação de uma Alemanha poderosa no centro deste
pequeno continente europeu.
Gostaria aqui de fazer um pequeno excurso pessoal. Ouvi Jean Monnet quando
participei no seu comité «Pour les États-Unis d’Europe». Foi em 1955.
Para mim, Jean Monnet é um dos franceses mais perspicazes que eu conheci na
minha vida em questões de integração, também por causa do seu conceito de
avançar passo a passo na integração europeia.
Desde aí que, por compreender o interesse estratégico da nação alemã, me
tornei e me mantive um partidário da integração europeia, um partidário da
integração da Alemanha, não por idealismo.
Isto levou-me a uma controvérsia com Kurt Schumacher, o por mim muito
respeitado presidente do meu partido, para ele insignificante, para mim com 30
anos, regressado da guerra, muito séria.
Levou-me a concordar, nos anos 50, com os planos do então Ministro dos
Negócios Estrangeiros polaco Rapacki.
No início dos anos 60 escrevi então um livro contra a estratégia oficial
ocidental da retaliação nuclear, com que a NATO, na qual ontem como hoje nos
encontrávamos integrados, ameaçava a poderosa União Soviética.
A União Europeia é necessária
De Gaulle e Pompidou continuaram nos anos 60 e início dos anos 70 a
integração europeia, para integrar a Alemanha – mas também não queriam de
maneira nenhuma integrar o seu próprio estado.
Depois disso, o bom entendimento, entre Giscard d’Estaing e mim, levou a um
período de cooperação franco-alemão e à continuação da integração europeia, um
período que depois da primavera de 1990 continuou com êxito entre Miterrand e
Kohl.
Ao mesmo tempo desde 1950/52 que a comunidade europeia cresceu, até 1991,
passo a passo de seis para doze membros.
Graças ao amplo trabalho preparatório de Jacques Delors (na altura
presidente da Comissão Europeia), Mitterrand e Kohl acordaram, em 1991, em
Maastricht, a moeda comum – o euro – que se tornou realidade dez anos mais
tarde, em 2001.
De novo na sua origem a preocupação francesa de uma Alemanha demasiado
poderosa, mais exactamente de um marco demasiado poderoso.
Entretanto o euro tornou-se na segunda moeda mais importante da economia
mundial.
Esta moeda europeia é até, tanto interna como externamente, mais estável do
que o dólar americano e mais estável do que o marco foi nos seus últimos dez
anos.
Toda a conversa sobre uma suposta “crise do euro” é conversa fiada e
leviana dos media, de jornalistas e de políticos.
Mas desde Maastricht, desde 1991/92, que o mundo mudou imensamente.
Assistimos à libertação das nações do leste europeu e à implosão da União
Soviética.
Assistimos à ascensão fenomenal da China, da Índia, do Brasil e outros
“estados emergentes”, que antigamente chamávamos “Terceiro Mundo”.
Simultaneamente, as economias reais de grande parte do mundo
«globalizaram-se». Em alemão: quase todos os estados no mundo dependem uns dos
outros.
Principalmente, os actores nos mercados financeiros globalizados
apropriaram-se de um poder, por enquanto, totalmente sem controlo.
Mas paralelamente, quase sem se dar por isso, a humanidade multiplicou-se
de forma explosiva atingindo os 7 mil milhões. Quando nasci eram cerca de 2 mil
milhões.
Todas estas enormes mudanças tiveram consequências tremendas nos povos
europeus, nos seus estados, no seu bem-estar!
Por outro lado, todas as nações europeias envelhecem e por todo o lado
desce o número de cidadãos europeus.
Em meados do século XXI, seremos provavelmente 9 mil milhões de pessoas a
viver na Terra, enquanto todas as nações europeias não ultrapassarão os 7%. 7%
de 9 mil milhões.
Até 1950, os europeus representaram, durante mais de dois séculos, mais de
20% da população mundial. Mas desde há 50 anos que nós europeus diminuímos –
não só em números absolutos, mas principalmente em relação à Ásia, África e
América Latina.
Da mesma forma desce a parte dos europeus no produto social global, isto é
na criação de riqueza de toda a humanidade. Até 2050 descerá até aos 10%; em
1950 ainda representava 30%.
Cada uma das nações europeias, em 2050, representará já só uma parte de um
1% da população mundial. Quer dizer: se queremos ter a esperança de nós
europeus termos importância no mundo, então só a teremos em conjunto.
Porque enquanto Estados separados – seja a França, Itália ou Alemanha ou
Polónia, Holanda ou Dinamarca ou Grécia – só nos poderão contar em milésimos e
não mais em números percentuais.
Daqui resulta o interesse estratégico a longo prazo dos estados europeus na
sua cooperação integradora.
Este interesse estratégico na integração europeia aumentará em importância
cada vez mais. Até agora ainda não está amplamente consciencializado pelas
nações. Tão pouco os respectivos governos as consciencializam.
No caso, porém de a União Europeia no decorrer do próximo decénio não
conseguir – mesmo que limitada – uma capacidade conjunta de actuação, não é de
excluir uma marginalização auto-provocada dos estados e da civilização
europeia.
Do mesmo modo não se pode excluir, num caso destes, o ressuscitar de lutas
concorrenciais e de prestígio entre os estados europeus.
Numa situação destas a integração da Alemanha não poderia funcionar. O
velho jogo entre centro e periferia podia de novo tornar-se realidade.
O processo mundial de esclarecimento, de propagação dos direitos das
pessoas e da sua dignidade, o direito constitucional e a democratização não
receberia mais nenhum impulso eficaz da Europa.
Nesta perspectiva, a comunidade europeia torna-se uma necessidade vital
para os estados nacionais do nosso velho continente.
Esta necessidade ultrapassa as motivações de Churchill e de Gaulle. Também
ultrapassa as motivações de Monnet e os de Adenauer. E hoje também engloba as
motivações de Ernst Reuter, Fitz Ehler, Willy Brandt e também Helmut Kohl.
Acrescento: certamente, que também se trata ainda e sempre da integração da
Alemanha. Por isso, nós alemães temos de ganhar clareza sobre a nossa tarefa, o
nosso papel no contexto da integração europeia.
A Alemanha necessita de constância e fiabilidade
Se no final de 2011 olharmos para a Alemanha com os olhos dos nossos
vizinhos mais próximos e mais distantes, desde há um decénio que a Alemanha
provoca inquietação.
Recentemente, provoca também preocupação política.
Nos últimos anos surgiram dúvidas consideráveis sobre a constância da
política alemã. A confiança na garantia da política alemã está abalada.
Estas dúvidas e preocupações assentam também nos erros de política externa
dos nossos políticos e governos. Por outro lado baseiam-se no poder económico,
inesperado para o mundo, da República Federal unificada.
A nossa economia tornou-se – iniciando nos anos 70, nessa época ainda
dividida – na maior da Europa.
Tecnológica, financeira e socialmente é hoje uma das economias mais
eficientes do mundo.
O nosso poder económico e a nossa paz social, comparativamente muito
estável desde há decénios, provocaram também inveja. Tanto mais que a nossa
taxa de desemprego e a nossa dívida se encontram dentro da normalidade
internacional.
No entanto, não nos é suficientemente claro que a nossa economia está, quer
profundamente integrada no mercado comum europeu, quer em grande medida
globalizada e assim dependente da conjuntura mundial.
Iremos assim verificar que, no próximo ano, as nossas exportações não
aumentarão significativamente.
Mas simultaneamente desenvolveu-se um grave erro, nomeadamente os enormes
excedentes da nossa balança comercial.
Desde há anos que os excedentes representam 5% do nosso PIB. São
comparáveis aos excedentes da China.
Isto não nos é completamente claro porque os excedentes não se contabilizam
em marcos, mas em euros.
Mas é necessário que os nossos políticos consciencializem esta
circunstância.
Porque todos os nossos excedentes são, na realidade, os défices dos outros.
As exigências que temos aos outros, são as suas dívidas. Trata-se de uma
violação irritante do por nós elevado a ideal legal do “equilíbrio da economia
externa”. Esta violação tem de inquietar os nossos parceiros.
E quando ultimamente aparecem vozes estrangeiras, na maioria dos casos
vozes americanas – entretanto vêm de muitos lados – que exigem da Alemanha um
papel de condução europeia, então isso desperta nos nossos vizinhos mais desconfiança.
E acorda más recordações.
Esta evolução económica e a simultânea crise da capacidade de acção dos
órgãos da união europeia empurraram de novo a Alemanha para um papel central.
A chanceler aceitou solícita este papel juntamente com o presidente
francês. Mas há, de novo, em muitas capitais europeias e também em muitos media
uma crescente preocupação com o domínio alemão.
Desta vez não se trata de uma potência militar e política central, mas sim
de um potente centro económico!
Aqui é necessário uma séria e cuidadosamente equilibrada advertência aos
políticos alemães, aos media e à nossa opinião pública.
Se nós alemães nos deixássemos seduzir, baseados no nosso poder económico,
por reivindicar um papel político dirigente na Europa ou pelo menos desempenhar
o papel de primus inter pares, então um número cada vez maior dos nossos
vizinhos resistiria eficazmente.
A preocupação da periferia europeia com um centro da Europa demasiado forte
regressaria rapidamente.
As consequências prováveis de uma tal evolução seriam atrofiadoras para a
UE. E a Alemanha cairia no isolamento.
A República Federal da Alemanha, muito grande e muito eficaz, precisa –
também para se defender de si própria! – de se encaixar na integração europeia.
Por isso, desde os tempos de Helmut Kohl, desde 1992, que o artº 23º da
Constituição nos obriga a colaborar “no desenvolvimento da União Europeia”.
Este artº 23º obriga-nos a esta cooperação também no “princípio da
subsidiariedade”.
A crise actual da capacidade de acção dos órgãos da UE não muda em nada
estes princípios.
A nossa posição geopolítica central, mais o papel infeliz no decorrer da
história europeia até meados do século XX, mais a nossa capacidade produtiva actual,
tudo isto exige de todos os governos alemães uma grande dose de compreensão dos
interesses dos nossos parceiros na EU. E a nossa prestabilidade é
indispensável.
Nós, alemães, também não conseguimos sozinhos a grande reconstrução e
capacidade de produção nos últimos 6 decénios.
Elas não teriam sido possíveis sem a ajuda das potências vencedoras
ocidentais, sem a nossa inclusão na comunidade europeia e na aliança atlântica,
sem a ajuda dos nossos vizinhos, sem a mudança política na Europa de leste e
sem o fim da ditadura comunista.
Nós, alemães, temos razões para estarmos gratos. E, simultaneamente, temos
a obrigação de nos mostramos dignos da solidariedade através da solidariedade
com os nossos vizinhos!
Pelo contrário, ambicionar um papel próprio na política mundial e
ambicionar prestígio político mundial seria bastante inútil, provavelmente até
prejudicial.
Em todo o caso, mantém-se indispensável a estreita cooperação com a França
e a Polónia, com todos os nossos vizinhos e parceiros na Europa.
É minha convicção que reside no interesse estratégico cardinal da Alemanha
a longo prazo, não se isolar e não se deixar isolar.
Um isolamento no espaço do ocidente seria perigoso. Um isolamento no espaço
da EU ou da zona euro seria ainda mais perigoso.
Para mim, este interesse da Alemanha ocupa um lugar inequivocamente mais
importante do que qualquer interesse táctico de todos os partidos políticos.
Os políticos e os media alemães têm a obrigação e o dever de defender este
conhecimento de forma duradoura na opinião pública.
Mas quando alguém dá a entender que hoje e no futuro falar-se-á alemão na
Europa; quando um ministro alemão dos negócios estrangeiros pensa que aparições
adequadas às televisões em Tripoli, Cairo ou Cabul são mais importantes do que
contactos políticos com Lisboa, Madrid, Varsóvia ou Praga, Dublin, Haia
Copenhaga ou Helsínquia; quando um outro acha ter de se defender de uma «União
de transferência» - então tudo isto é mera fanfarronice prejudicial.
Na verdade, a Alemanha foi durante longos decénios pagador líquido!
Podíamos fazê-lo e fizemo-lo, desde Adenauer.
E naturalmente que Grécia, Portugal ou Irlanda foram sempre recebedores
líquidos. Esta solidariedade talvez não seja hoje suficientemente clara para a
classe política alemã. Mas até agora foi evidente.
Também evidente – e para além disso desde Lisboa incluído no tratado – o
princípio da subsidiariedade: aquilo que um estado não pode ou não consegue
resolver, tem de ser assumido pela UE.
Desde o plano Schuman que Konrad Adenauer aceitou, por instinto político
acertado, a oferta francesa contra a resistência quer de Kurt Schumacher, quer
de Ludwig Erhard.
Adenauer avaliou correctamente o interesse estratégico de longo prazo da
Alemanha – apesar da divisão da Alemanha!
Todos os sucessores – assim também Brandt, Schmidt, Kohl e Schröder –
prosseguiram a política de integração de Adenauer.
Todas as tácticas da ordem do dia, da política interna ou da política
externa nunca questionaram o interesse estratégico alemão de longo prazo.
Por isso, todos os nossos vizinhos e parceiros puderam confiar, durante
decénios, na constância da política europeia alemã – e na verdade
independentemente de todas as mudanças de governo. Esta continuidade mantém-se
conveniente também no futuro.
A situação actual da EU exige energia . Contribuições conceptuais alemãs
foram sempre naturais. Também se deve manter assim no futuro.
No entanto não devíamos antecipar o futuro longínquo. Mudanças no tratado,
mesmo assim, só poderiam corrigir em parte erros e omissões na realidade criada
há vinte anos em Maastricht.
As propostas actuais para as mudanças no Tratado de Lisboa em vigor não me
parecem muito úteis para um futuro próximo, se nos lembrarmos das dificuldades
até agora com todas as diversas ratificações nacionais, ou nos referendos com
resultados negativos.
Concordo por isso com Napolitano, o Presidente italiano, quando, num
notável discurso em Outubro exigiu que nós hoje nos temos de concentrar no que
é necessário hoje fazer.
E que para isso temos de esgotar as possibilidades que os tratados em vigor
nos proporcionam – especialmente o reforço das regras orçamentais e da política
económica na zona Euro.
A actual crise da capacidade de acção dos órgãos da EU criados em Lisboa,
não pode continuar!
Com a excepção do BCE, todos os órgãos – Parlamento Europeu, Conselho
Europeu, Comissão Europeia e Conselho de Ministros – todos eles, desde a
superação da aguda crise dos bancos de 2008 e especialmente da consequente
crise da dívida soberana, contribuíram pouco para uma ajuda eficaz.
Não há nenhuma receita para a superação da actual crise de liderança na EU.
Serão necessários vários passos, alguns simultâneos, outros consecutivos. Não
serão só necessárias, capacidade de análise e energia, mas também paciência!
Nisso as contribuições concepcionais alemãs não se podem reduzir a chavões.
Não devem ser apresentadas na praça televisiva, mas em vez disso
confidencialmente nos órgãos da EU.
Os alemães não devem apresentar como exemplo ou medida de toda as coisas
aos nossos parceiros europeus, nem a nossa ordem económica ou social, nem o
nosso sistema federal, nem a nossa política constitucional orçamental ou
financeira, mas sim, simplesmente, enquanto exemplo entre várias outras
possibilidades.
Todos nós em conjunto somos responsáveis pelos efeitos futuros na Europa
por tudo o que hoje a Alemanha faz ou deixa de fazer.
Precisamos de razoabilidade europeia. Mas não precisamos só de
razoabilidade, mas também de um coração compreensivo com os nossos vizinhos e
parceiros.
Concordo num ponto importante com Jürgen Habermas, que recentemente referiu
que – e cito – “…na realidade assistimos agora pela primeira vez na história da
EU a uma desmontagem da Democracia!”.
De facto: não só o Conselho Europeu, incluindo o seu Presidente, mas também
a Comissão Europeia, incluindo o seu Presidente, e os diversos Conselhos de
Ministros e toda a burocracia de Bruxelas marginalizaram em conjunto o
princípio democrático!
Eu caí no erro, na época em que introduzimos a eleição para o Parlamento
europeu, de pensar que o Parlamento conseguiria o seu peso próprio.
Na verdade até agora não teve nenhuma influência reconhecível na superação
da crise, já que as suas discussões e resoluções não têm até agora nenhum
resultado público.
Por isso quero apelar a Martin Schulz: é tempo de o senhor e os seus
colegas democratas-cristãos, socialistas, liberais e verdes, em conjunto mas de
forma drástica, conseguirem ser ouvidos publicamente.
Provavelmente o campo da totalmente insuficiente fiscalização sobre os
bancos, bolsas e os seus instrumentos financeiros, desde o G20 em 2008,
adequa-se na perfeição para um tal levantamento do Parlamento Europeu.
Realmente alguns milhares de brokers nos EUA e na Europa, mais algumas
agências de notação tornaram reféns os governos politicamente responsáveis da
Europa.
Não é de esperar que Barack Obama possa vir fazer muito contra isso. O
mesmo é válido para o governo britânico.
Realmente, os governos do mundo inteiro salvaram, na verdade, os bancos em
2008/09 com as garantias e o dinheiro dos impostos dos cidadãos.
Mas já em 2010, esta manada de executivos financeiros, altamente
inteligentes e simultaneamente propensos à psicose, jogava, de novo, o seu
velho jogo do lucro e das bonificações.
Um jogo de azar e em prejuízo dos que não são jogadores, que eu e Marion
Dönhoff já nos anos 90 criticámos como muito perigoso.
Já que ninguém quer agir, então os participantes da zona Euro têm de o
fazer. Para isso o caminho pode ser o do artº 20º do Tratado de Lisboa em
vigor.
Aí prevê-se expressamente, que Estados-membros sós ou em conjunto
“estabeleçam entre eles uma cooperação reforçada”.
Em todo o caso, os Estados membros da zona euro deveriam impor uma
regulação enérgica do seu mercado financeiro comum.
Desde a separação entre por um lado os normais bancos de negócios e, por
outro, os bancos de investimento e bancos sombra até à proibição da venda de
derivados, desde que não autorizados pela fiscalização oficial da Bolsa – até à
restrição eficaz dos negócios das, por enquanto, não fiscalizadas agências de
notação no espaço da zona euro.
Não quero, minhas senhoras e meus senhores, aborrecê-los com mais detalhes.
Naturalmente que o globalizado lobby dos banqueiros iria empregar todos os
meios contra. Já conseguiu, até agora, impedir toda a regulamentação eficaz.
Possibilitou, para si mesmo, que a manada dos seus brokers tenha colocado
os governos europeus na situação difícil de ter de inventar sempre novos
«fundos de estabilização» e alargá-los através de «alavancas».
É tempo de resistir.
Se os europeus conseguirem ter a coragem e a força para uma regulação
eficaz dos mercados financeiros, então podemos no médio prazo tornarmo-nos numa
zona de estabilidade.
Mas se falharmos, então, o peso da Europa continuará a diminuir – e o mundo
evolui na direcção de um Duovirato entre Washington e Pequim.
Seguramente que para o futuro próximo da zona euro todos os passos
anunciados e pensados até agora são necessários.
Deles fazem parte os fundos de estabilização, o limite máximo de
endividamento e o seu controlo, uma política económica e fiscal comum, deles
fazem parte uma série de reformas nacionais na política fiscal, de despesa, na
política social e na política laboral.
Mas forçosamente, também uma dívida comum será inevitável. Nós, alemães,
não nos devemos recusar por razões nacionais e egoístas.
Mas de forma nenhuma devemos propagar para toda a Europa uma política
extrema de deflação.
Mais razão tem Jacques Delors quando exige, em conjunto com o saneamento do
orçamento, a introdução e financiamento de projectos que fomentem o
crescimento.
Sem crescimento, sem novos postos de trabalho, nenhum Estado pode sanear o
seu orçamento.
Quem acredita que a Europa pode, só através de poupanças orçamentais,
recompor-se faça o favor de estudar o resultado fatal da política de deflação
de Heinrich Brüning em 1930/32.
Provocou uma depressão e um desemprego de uma tal dimensão que deu início à
queda da primeira democracia alemã.
Terminemos, queridos amigos!
No fundo, não é preciso pregar solidariedade internacional aos
sociais-democratas. A social-democracia é desde há século e meio
internacionalista – em muito maior medida do que gerações de liberais, de
conservadores ou de nacionalistas alemães.
Nós, sociais-democratas, não abdicámos da liberdade e da dignidade de cada
ser humano. Simultaneamente não abdicámos da democracia representativa, da
democracia parlamentar. Estes princípios obrigam-nos hoje à solidariedade
europeia.
De certo que a Europa, também no século XXI, será constituída por estados
nacionais, cada um com a sua língua e a sua própria história. Por isso a Europa
não se tornará de certeza num Estado Federal. Mas a UE também não pode
degenerar numa mera aliança de estados.
A UE tem de se manter uma aliança dinâmica, em evolução. Não há em toda a
história da humanidade nenhum exemplo. Nós, social-democratas, temos de
contribuir para a evolução passo a passo desta aliança.
Quanto mais envelhecemos, mais pensamos em períodos longos.
Também enquanto homem velho me mantenho fiel aos três princípios do
Programa de Godesberg: liberdade, justiça, solidariedade.
Penso, a propósito, que hoje a justiça exige antes de mais igualdade de
oportunidades para as crianças, para estudantes e jovens.
Quando olho para trás, para 1945 ou para 1933 – quando tinha acabado de
fazer 14 anos – o progresso que fizemos até hoje parece-me quase inacreditável.
Que progresso os europeus alcançaram desde o Plano Marshall, 1948, desde o
Plano Schuman, 1950, graças a Lech Walesa e ao Solidarnoszk, graças a Vaclav
Havel e à Charta 77, graças àqueles alemães em Leipzig e Berlim Oriental, em
1989/91, na grande mudança.
Não podíamos imaginar, nem em 1918, nem em 1933, nem em 1945 que hoje uma grande
parte da Europa se regozija pelos Direitos Humanos e pela paz.
Por isso mesmo trabalhemos e lutemos para que a UE, historicamente única,
saia firme e auto confiante da sua presente fraqueza.
© SPD 2011